Capítulo 27 - Villafranca del Bierzo / Cebreiro
- alexnoguchi2
- Jun 16
- 4 min read
Updated: Sep 19
16/junho/2025
Pela primeira vez acordei querendo dormir mais um pouquinho. A cama estava tão gostosa, o quarto fresquinho e apenas duas mulheres dormindo, sem ninguém roncando. Às vezes eu também tenho sorte, né?
Mas enfim, como o dia ia ser duro levantei rapidamente e me preparei para o temido Cebreiro. Como a hospitaleira do albergue tinha me dito que era pior que os Pirineus, eu já estava sofrendo por antecipação. Até preparei a mala para despachar, algo que não fazia há algum tempo.

Comecei com ritmo bem leve e achei estranho não ter cruzado com nenhum peregrino durante os primeiros quilômetros. Apenas depois de cerca de uma hora andando comecei a ver algumas mochilas com vieiras e fiquei mais tranquilo.
Mas como alegria de pobre dura pouco, descobri que era um grupo de chineses que fala gritando o tempo todo. Eles puxaram papo comigo e eu tentei cortar a conversa rapidamente. Eles não são más pessoas, mas ficam tagarelando o tempo inteiro e eu não gosto de gente que grita. Não sou surdo. Primeiro tentei acelerar o passo mas eles me alcançaram. Depois deixei eles seguirem na frente mas eles ficavam parando para tirar fotos ou arrumar a bota, ou algo na mala e não conseguia me livrar deles.
Quando cheguei na primeira cidade, Pereje (5 km) onde não havia nenhuma lanchonete aberta eu parei em um banco para comer minha maçã e hidratar. Depois de uns 15 minutos achei que tinha me livrado deles e voltei a andar. Não deu nem 5 minutos e os vi na minha frente de novo. Desacelerei para evitar contato, mas eles não abriam distância. Então achei um posto de gasolina e notei que eles tinham passado reto. Resolvi pedir um sanduíche para deixar abrir distância e voltei a andar depois de uns 20 minutos. Mas ao sair adivinha quem aparece atrás de mim?
Em nova tentativa de despistá-los, parei em uma farmácia para comprar algumas coisas e a vendedora era bem lenta. Não me irritei porque esse era o objetivo. Vi o chineses passando pela rua e calmamente me dirigi ao mercado ao lado para comprar banana. Parei em um banco de praça para comê-la e, sem pressa nenhuma voltei para o Caminho. Parecia que tinha funcionado.
Segui viagem e foram cerca de 20km de terreno plano, bem tranquilo. Quando estava chegando em Las Herrerias escutei a gritaria atrás de mim. Como é possível? Eles estavam me perseguindo? Deixei eles passarem e então encontrei o Chris Polaco, bebendo uma cerveja antes da subida. Eu parei para conversar e logo apareceu a Julia. Contei a ambos sobre os chineses e eu brinquei dizendo que eles estavam escondidos na próxima rua me esperando. E qual não foi minha surpresa quando após cerca de 10 minutos eles voltaram e entraram no bar em que estávamos. Não era imaginação. Eles realmente estavam me perseguindo. Assim que pediram algo eu peguei minhas coisas e saí correndo.

Foram 8km de subida bastante íngreme. O primeiro trecho foi em asfalto duro e sem sombra, mas depois melhorou pois entramos em floresta densa. Eu consegui passar bastante gente na subida e parei depois de 3km em uma pequena vila para tomar água. A segunda parte da subida era praticamente idêntica e parei depois de 2,3km em outra vila, onde encontrei o Jesus e um seminarista norte-americano. Trocamos uma palavra rápida e segui os últimos 2,5km até Cebreiros.

Logo na entrada havia um sujeito tocando gaita de foles em alusão à origem celta da Galícia. Segui para o albergue e tomei um banho. Como o quarto tinha 50 leitos e era um entra e sai danado, não tinha como descansar. Fui almoçar e beber uma cerveja com o Chris, Leon, Julia, Louis (França) e um italiano chamado Leandro. Comi uma chuleta muito boa e bebi uma cerveja com 40% de suco de limão (radler), bem gostosa. Acho que tem apenas 2,% de álcool. Ideal para mim. Conversamos sobre o dia duro e o pouco que falta para terminar.

Depois do “Happy Hour” eu fui à missa dos peregrinos, na igreja onde ocorreu um milagre da eucaristia no século XIII. Os restos mortais do peregrino e do padre estão sepultados ao lado da igreja e o cálice utilizado na cerimônia está exposto ao lado do altar. Enquanto aguardava o horário da missa eu puxei papo com uma espanhola que estava “limpa demais” para ser uma peregrina. O nome dela é Maria José, vinha de Barcelona e ia começar o caminho naquele dia. Agora sim fazia sentido. 😜 O sermão foi bonito e depois recebemos a benção do padre e uma pedra com a seta amarela pintada.
Em seguida liguei para minha filha, que recebeu as notas finais da escola. Como sempre ela teve desempenho excepcional. Dei os parabéns a ela e disse que estava muito orgulhoso.
Depois fomos jantar e explicamos à Maria José que existem duas coisas muito importantes nesse Caminho. O primeiro é prevenir as bolhas utilizando bastante vaselina nos pés e o segundo é nunca perder o horário de fechamento do albergue. O Dave e o Mattie tiveram que dormir um dia na rua por conta disso.

Termino aqui o relato diário.
Mais um dia feliz!
Buen Camino
Obs: a música de hoje é em homenagem aos 700m de altura em 8km. Ainda tenho lenha para queimar. Agora sei que não sou “old enough too rock’n roll”!



O grupo barulhento era pra vc se distrair e não ficar pensando quão difícil é subir 700m em 8km. Funcionou. 🤪