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Prefácio - Too old to rock 'n' roll: too young to die (Jethro Tull)

  • alexnoguchi2
  • Apr 23
  • 6 min read

Updated: May 8

São Paulo, 23 de abril de 2025


Falta pouco menos de um mês para a viagem. Já montei o roteiro, encomendei as passagens, comprei a credencial do peregrino, fiz minha inscrição na associação local, etc. Estou bastante animado e muito ansioso.

Escrevo em papel porque ainda estou no trabalho e tudo o que faço no computador da empresa é monitorado (sim, acreditem, eu e diversos colegas fomos advertidos por escrever coisas politicamente incorretas no chat interno da empresa). Sou (ainda) diretor executivo de um grande banco multinacional. Depois de 28 anos trabalhando no mercado financeiro e às véperas de completar 48 anos de idade, estou me preparando para uma grande mudança de carreira e de vida. Encerro esse ciclo com a sensação de missão cumprida. Aprendi bastante, entreguei muita coisa, ensinei diversas pessoas e fui devidademente recompensado por isso. Agora, com certo conforto financeiro e com uma filha já grande (16 anos), tenho condições de escolher meu caminho e não preciso mais me matar de trabalhar em um ambiente difícil, realizando atividades das quais não me orgulho e não agregam em nada à sociedade. Joguei o jogo, peguei o meu "prêmio" e agora estou livre. Simples assim.

Tenho certeza de que deixei minha marca em todos os lugares em que trabalhei. Em todas as empresas pelas quais passei, todos sabem quem é o "Noguchi". Alguns podem até me odiar, mas o fato é que ninguém era indiferente em relação à minha pessoa, pois eu nunca me escondi em nenhuma estrutura. Também é fato que todos sabem que eu nunca abri mão dos meus princípios éticos e morais. Quem me conhece sabe que sou muito sincero e transparente. E eu constumo dizer que essa é minha maior qualidade (do lado pessoal) e meu maior defeito (do ponto de vista profissional).

Não me arrependo de ter seguido essa carreira. Tive uma infância pobre. Perdi meu pai aos seis anos de idade em dez/1983. Na época, minha mãe era dona-de-casa. Ela teve que voltar a trabalhar para sustentar os três filhos. Sofreu muito. Pouquíssimas pessoas ajudaram. Sempre a via se desdobrando para pagar as contas. Em função disso, comecei a trabalhar cedo, informalmente, com apenas doze anos¹. Era office-boy em uma empresa no Largo do Paissandú. Morava em Taboão da Serra, município na zona oeste da região metropolitana de São Paulo, conhecido pelas constantes enchentes no córrego do Pirajussara. Como morava longe do trabalho, deveria pegar 2 ônibus para voltar para casa, sendo um deles intermunicipal (passagem mais cara). Mas eu economizava o dinheiro da segunda condução ao descer na divisa da cidade de São Paulo com Taboão (exatamente no córrego que transbordava) e andar diariamente cerca de 2km até minha casa. Hoje em dia vejo isso como algo meio irônico, visto que todo o dinheiro economizado com a condução era gasto com a compra de tênis novo, visto que as solas acabavam rapidamente. Enfim, pelo menos ajudou a formar meu caráter e fazer minhas batatas da perna ficarem iguais a nabos.

Igreja do Largo do Paissandú com o Edifício José Paulino Nogueira ao fundo. Eu trabalhava no 14º andar.
Igreja do Largo do Paissandú com o Edifício José Paulino Nogueira ao fundo. Eu trabalhava no 14º andar.

Mas nem tudo era sofrimento. Tive a sorte de ter um padrinho financeiro que pagou meus estudos e de meus irmãos, desde o primeiro grau até a faculdade. O dono da empresa onde meu falecido pai trabalhava ficou muito comovido com a situação da minha família e se dispôs a nos ajudar. Dr João Paulo Porto, que Deus o tenha, sou muito grato a você por tudo. Graças a você eu pude estudar em uma escola particular e ingressar na melhor faculdade de administração do país. Lembro-me até hoje do dia em que agendei uma reunião contigo em fevereiro de 1995. Na época eu tinha apenas 17 anos e não havia ingressado na USP. Estava morrendo de vergonha, pois sempre fui aluno exemplar, sempre o melhor da classe, tendo inclusive ganhado 3 prêmios de excelência acadêmica, com média geral acima de 9,0. Naquele encontro o senhor me disse: "achei que você era inteligente". Eu nunca tinha recebido uma crítica tão dura antes. Foi uma bronca que me deixou sem reação na hora e me fez chorar depois no ônibus para casa. Hoje vejo que foi naquele momento que me tornei um homem adulto. Estudei com bastante afinco, como nunca havia feito antes, e cinco meses depois eu voltei ao mesmo escritório, na Rua Líbero Badaró, para dizer que eu havia sido aprovado na FGV. Após me parabenizar, qual não foi minha supresa ao receber o seguinte questionamento: "Mas você ainda vai prestar para a Poli no final do ano, não é?". Eu perguntei incrédulo se ele estava brincando e a resposta foi negativa. Ele me disse: "Eu fiz as duas ao mesmo tempo. Você também pode." Expliquei que tanto a FGV como a Poli possuíam apenas cursos em período integral e que não era possível conciliar ambas. Ele lamentou, aceitou meu argumento e me disse para fazer matrícula na FGV pois ele iria pagar. Nesse dia ele sorriu e me apresentou a alguns dos antigos colegas de trabalho do meu pai.

Com o diploma na mão, fui construindo minha carreira em mesas de operação de grandes bancos e após algumas décadas consegui cumpri uma promessa que me fiz aos 13 anos: "Ficar rico e dar uma vida confortável para minha mãe". Posso ter demorado um pouco mais que o planejado, mas logo após o nascimento de minha filha comprei um apartamento para a Dona Terumi na mesma rua em que moro hoje. Lembro-me que ela ficou tão feliz que se mudou no mesmo dia em que pegou as chaves na imobiliária. Nem sequer quis pintar as paredes ou fazer pequenas reformas. Nesse dia eu disse a mim mesmo: "Dever cumprido. Agora posso morrer feliz".


Meu primeiro crachá, que guardo com muito orgulho.
Meu primeiro crachá, que guardo com muito orgulho.


Essa história parece meio piegas e, olhando para trás é muito bonita. Mas só eu sei a dureza que foram esses anos todos de office-boy até Diretor de banco. Foi muito sangue, suor e lágrimas. Não é qualquer um que aguenta o mercado financeiro. O ambiente é muito competitivo, hostil e cheio de armadilhas. Mas felizmente eu consegui "zerar o jogo" e agora tenho condições suficientes para mudar. "O Caminho" vai servir exatamente como um divisor de águas na minha vida. Serão 40 dias "sozinho", vivendo de forma simples, com apenas uma mochila e um objetivo claro. Ninguém vai me cobrar relatórios, ligar para dizer que o dólar subiu, que temos problemas com auditoria, o sistema de registro de trades está fora do ar, clientes estão processando o banco, etc etc.

Do lado pessoal também tenho total liberdade para a peregrinação. Sou divorciado, minha filha mora nos EUA com a mãe, estou sem namorada e creio possuir condições físicas para andar 800km. É provavelmente um sinal divino de que se trata do momento ideal, e provavelmente único, para fazer "O Caminho".

O que vou fazer quando voltar? Depois eu penso nisso. Tenho um sonho de fazer meu doutorado e dar aulas em alguma faculdade de primeira linha. Gosto muito do ambiente acadêmico, de conhecer pessoas inteligentes, principalmente jovens que querem aprender, e de ensinar o pouco que sei. Quem sabe?

Essa é provavelmente a maior reviravolta da minha vida. Só não sei se vou conseguir manter essa ideia até o final do diário. Eu costumo dizer ao meu terapeuta que "cachorro velho não aprende truque novo". Mas enfim, "O Caminho" vai ser uma boa maneira de verificar se sou too old to rock' n' roll.



***

Meus amigos tiveram os mais diversos tipos de reação quando os comuniquei sobre minha decisão. O Aluba (te adoro cara, você é especial) ficou super feliz e contente por mim. O Fujita não ouviu porque é surdo (kkkk). O Marui (ou Warui² ou Furui³) ficou espantado, sem reação. Já o Ericão, foi o mais emotivo. Ele ficou indignado, puto mesmo. Quase me bateu quando eu disse que ia largar tudo para peregrinar. Ele também trabalha no mercado financeiro, tem a mesma idade e um filho também adolescente. A reação dele foi a que me deixou mais feliz porque demonstra que ele realmente se importa comigo. Muito obrigado pela amizade Eric.

Não posso deixar de registrar aqui que minha decisão de peregrinar teve grande influência do Fabio Assumpção, que realizou tal trajeto com idade semelhante à minha e até escreveu um livro sobre a experiência (link). Muito obrigado pelas dicas Fabio.

¹ O registro em carteira é permitido somente para maiores de 14 anos.

² Ruim em japonês

³ Velho em japonês

 
 
 

4 Comments


Fabio Assumpcao
Fabio Assumpcao
May 20

Muito louco isso, trabalhamos juntos varios anos e so agora soube coisas da sua vida que nem sonhava.

Aproveite muito essa jornada e que seja para você tao significativa quanto foi para mim.

Buen Camino!

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alexnoguchi2
May 31
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Obrigado Fabio. Grande abraço!

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RodNoguchi
May 10

Orgulho,

Muito orgulho

E me fez lembrar de uma música que sei que vc gosta.

Forgotten years

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J N
J N
May 08

Sensacional. Não tem como não se emocionar só com a introdução e prefácio. Haja coração pros capítulos que virão. Enviarei boas energias a cada dia dos 800km que irá percorrer.

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